domingo, 31 de março de 2013

Do verbo querer

Queria um tanto de coisas que o tempo nem me permite querer. Mas como eu sou teimosa, eu queria mesmo assim.
Queria poder resolver os problemas mais rápido, enxergar mais além e decidir mais pelo certo;
Certo e de acordo com o meu querer...
Queria que essas decisões não se tornassem bichinhos mordedores dentro do meu coração, transformando-se em angústia;
Queria não sofrer tão fácil e nem aguentar tão quieta;
Queria poder gritar bem alto, pro mundo inteiro tomar conhecimento das minhas felicidades e dos meus anseios;
Queria não ter que usar uma máscara simpática vez ou outra, só porque a regra do bom viver assim o quer...
Queria eu poder fazer o que quero!
Quem me dera um dia poder ser livre dessas amarras...
Quem?
E quem pode dizer o que eu devo querer?
Será que eu me pegaria querendo o que não quero realmente?
Queria tudo ao mesmo tempo agora,
E não queria querer nada,
Pois querer é uma agonia,
Um desalento,
Se ao se querer não se tiver,
Vira um martírio, uma dor, um comichão.
Por mais que eu queira parar de querer...
Mas se é inevitável, então quero tudo e quanto o mais puder carregar
Dentro de tudo o que quero
E tudo o que desejo...
Queria um espaço de tempo,
Uma brecha, uma fenda...
Uma lacuna no tempo e no espaço
Pra que eu pudesse escolher o que querer
E o que deixar pra querer depois
Mas esse tempo não quer parar
Um minuto sequer,
E a vida assim o acompanha -
Vida de quem quer que seja -
Pois não há nenhum querer acima da vontade do tempo...
Queria que esse mesmo tempo quisesse passar mais devagar, pra que eu pudesse querer outras coisas...
Mas já que o tempo é absoluto no seu querer,
continuo querendo tudo o que posso, até onde quero... 
E até não querer mais.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Corujas, Gatos e reciclagem.

Hoje resolvi fazer um post diferente. Como eu sempre fui meio ligada nesse negócio de criação e amo fazer uma arte (minha mãe que o diga), vou registrar aqui o primeiro post no estilo 'faça você mesmo' deste blog. Dicas, passo-a-passo, ideias e afins.
Escolhi para este primeiro post, como fazer enfeites (para sua casa, sua prateleira, sua mesa de trabalho), usando rolo de papel higiênico (aquele de papelão que todo mundo joga fora, sabe?). Você faz uma frescurinha para enfeitar algum lugar e ainda recicla!



Os meus gatinhos e corujinhas!

'E como é que um rolo de papel higiênico se transforma num enfeite, minha filha?' Simples: com a ajuda de tintas, imaginação e outros materiais. Calma, eu explico direitinho, por partes. Vamos lá?

Para fazer um gatinho, uma coruja ou qualquer ser de orelhas pontudinhas, você vai precisar de:

- rolo de papel higiênico (1 para cada bichinho ou 1 para 2, se você quiser fazer menor);
- lápis e borracha;
- caneta preta;
- pincéis de tamanhos diferentes;
- tintas nas cores de sua preferência;

Pra começar, você deve dobrar a parte superior do rolinho de papel, para formar as orelhas, assim:


Depois, dobre a parte de trás, sobrepondo a primeira, assim:


Pronto, já temos o formato do nosso ser orelhudinho. Agora você deve deixar toda a sua criatividade e imaginação virem à tona e desenhar o rostinho e os detalhes do seu bichinho (eu pesquisei muitos desenhos de gatinhos e corujas no Grande Google e tirei minhas ideias de lá).

olhinhos da coruja nº1


E aqui a carinha e corpinho dela



Após desenhar com o lápis, você pode corrigir erros e traços que não gostou usando a borracha (tomando cuidado para não amassar o papelão). Satisfeito com o desenho do seu bichinho? Reforce o traço com caneta preta (mas só faça isso após ter certeza do seu desenho, pois não dá pra apagar depois!). Isso vai facilitar na hora de pintar.

Aqui, os meus gatinhos de tamanhos diferentes.

Feito isso é só pintar com as cores escolhidas! Eu fui usando pincéis de tamanhos diferentes, para não borrar nem sair dos traços delimitados. E usei a tinta para tecido mesmo (que era o que tinha em casa). E se você quiser de tamanhos diferentes, é só cortar o rolinho ao meio. Dá até pra fazer dois bichinhos com um rolinho só. Infelizmente, a lesada aqui esqueceu de tirar foto enquanto pintava os detalhes (pena, orelha, asa, patinha, etc.), mas acho que dá pra entender, não é? Apenas pinte os espaços traçados de acordo com o seu gosto.



Algumas cores eu não tinha, mas queria muito (salmão, marrom clarinho e laranja), então eu fui misturando as cores que eu tinha em mãos para chegar no tom que eu queria. 


Após pintar, espere secar a tinta por inteiro e reforce novamente os traços com a caneta preta. Outra dica: passe uma mão de cola branca em cada um, para proteger e dar um bom acabamento.


No meu caso, os meus bichinhos estão enfeitando as minhas prateleiras.

Diz se esse bichinhos fofos parecem com rolos de papel higiênico???







sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Resenha: Um dia

Dex e Em. Em e Dex. Inicialmente, dois recém formados se conhecendo numa noite de farra em comemoração pelo fim de suas vidas acadêmicas, trocando experiências, ideias e promessas de reencontro. No meio da história, dois adultos com vidas totalmente diferentes, e um tanto desconhecidos, apesar da amizade construída ao longo do tempo. Ao final... Bem, isso você terá de ler para descobrir. 
" Dexter Mayhew. Ela o observou por entre a franja, recostado na cabeceira alcochoada da cama barata e, mesmo sem óculos, entendeu muito bem por que ele queria continuar exatamente daquele jeito. Olhos fechados, o cigarro colado languidamente no lábio inferior, a luz da manhã filtrada pelo tom avermelhado das cortinas aquecendo um lado do rosto, ele parecia estar sempre posando para uma fotografia. "
Emma Morley e Dexter Mayhew são jovens de vinte e poucos anos como qualquer jovem de vinte e poucos anos: cheios de sonhos, planos, incertezas, anseios e ideias, mas com aquela vontade jovem revolucionária de mudar o mundo. Tornam-se adultos de vinte e tantos, trinta e poucos, trinta e tantos anos (em diante), como qualquer adulto nesse período da vida: lutando por ideais mas perdendo-se em meio a tantos caminhos começados, tentando achar uma direção no meio de tantas tentativas de obter sucesso profissional, amores duradouros, histórias para contar. Acho que foi isso que me cativou: são pessoas comuns, reais; Nicholls consegue tornar as vidas dos personagens tão reais que nos identificamos com eles, em algum momento. Até mesmo nos desvios, quando tudo parece ter ido por água abaixo. Os erros latentes, a tormenta das frustrações , os planos que deram errado, os desencontros, as perdas, as conquistas, os amores, os amigos. 

"Às vezes você percebe quando os seus grandes momentos estão acontecendo, às vezes eles surgem do passado. Talvez seja a mesma coisa com as pessoas."
James Salter, Burning the Days 

A história se passa em todo dia 15 de Julho de cada ano, durante 20 anos, retratando em algumas poucas páginas o que vai mudando e evoluindo na vida dos dois (e dos outros personagens também) durante o ano todo, nos dando a exata impressão do que aconteceu, do que mudou e do que os personagens conquistaram - ou deixaram de conquistar - entre um ano e outro.
O legal do livro é que não se trata de um romance comum, devido ao fluxo de informações contidas, capítulo por capítulo. Isso nos dá uma dimensão interessante do que acontece, pois a continuidade dos momentos e o resultado das investidas e planos dos personagens se apresentam ao leitor de uma forma já desenvolvida, carregando uma bagagem de um ano inteiro.
O livro é separado pela idade dos personagens, em cinco partes: começa com vinte e poucos anos, passa para os vinte e tantos anos, e assim até chegar nos trinta e tantos anos e direcionar para a última parte, intitulada 'Três aniversários'. Aniversário de quê? Melhor não revelar.
"Viver cada dia como se fosse o último - esse era o conselho convencional mas na verdade, quem tinha energia para isso? E se chovesse ou você estivesse de mau humor? Simplesmente não era prático"
Creio que tanto adolescentes quanto adultos apreciarão a leitura (alguns sentindo certa revolta do fim, outros achando o remate perfeito), pois a história nos faz pensar sobre os nossos dias, os nossos vinte e poucos e trinta e tantos anos, sejam eles presente, passado ou futuro. 
Além disso, o destino dos personagens também não é o que se espera. Me surpreendi com o desenrolar dos fatos, pois achava que este era apenas mais um romance água-com-açúcar, daqueles onde o casal segue a vida radiante, alegre, encomendando filhinhos e animais de estimação numa casa linda, rica e perfeita. Cheguei a pensar que os dois não ficariam juntos e se ficassem, seria naquele tradicional 'felizes para sempre'. Opa, tá aí uma dica do que acontece no final... Recomendo!
"Você é linda, sua velha rabugenta, e se eu pudesse te dar só um presente para o resto da sua vida seria este. Confiança. Seria o presente da Confiança. Ou isso ou uma vela perfumada."

Um Dia - David Nicholls
Editora Intrínseca, 2011
410 páginas
Tradução de Claudio Carina

Título Original
One Day

Preparação
Maíra Alves

Revisão
Júlio Laudemir
Fátima Maciel


segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Apenas uma data



Hoje é o último dia do ano. Se olhar na tela do computador, no canto direito, abaixo, verá que o calendário confirma isso. Amanhã não é apenas outro dia; é outro ano, onde 365 dias caberão. 365 manhãs, 365 madrugadas. E assim, sucessivamente, parando o calendário e voltando ao 1º de Janeiro. Pois o mundo é assim: dá voltas. Assim como a folhinha que marca a passagem do tempo conforme nós evoluímos (ou deveríamos evoluir). Que cresçamos então. Como pessoa, como filho, como amigo, como ser humano.
Que o próximo ano seja mais colorido, mais vivo, mais ativo;
Que as lições do ano anterior sejam aprendidas e os planos mais bem elaborados;
Que haja mais prudência e menos impulsividade;
Que as promessas feitas a si mesmo sejam cumpridas, não como obrigação - mas pela consciência de que antes de serem promessas, são compromissos consigo mesmo;
Que os amores verdadeiros não se tornem simples breves paixões,
E que a intensidade dos bons sentimentos reprimidos seja vibrante na pele, sem diluir-se depois, como um incêndio lavado pela chuva.
Que cantemos com mais fervor as belas canções que nos deixam mais felizes.
Que pratiquemos nossos hobbies pelo nosso próprio prazer e não para seguir uma massa leviana que pensa pela mídia escancarada em todo lugar.
Que devoremos mais livros, mais rápido, com a ambição frenética de ler cada vez mais pelo magnífico deleite de saborear histórias e fatos;
Que dancemos mais soltos, sem amarras, todos os ritmos inquietos;
Que vejamos mais filmes, mais bonitos, mais detalhados - todos os hobbies contidos num grupo sobre o qual os jornais não citam nas listas de best-sellers, os programas de tv não transmitem no horário de pico dos fins de semana e as bilheterias não indicam como recorde de vendas.
Que nos deixemos absorver pelos sorrisos sinceros, conversas profundas e abraços afetuosos;
Que possamos nos permitir enxergar além dos olhos, da aparência e das frases feitas,
E que tenhamos em mente que cada par de olhos carrega dentro de si uma história inédita e que, com essa certeza, constatemos que não nos cabe qualquer tipo de julgamento (por mínimo que ele seja).
E que, seguindo por este caminho, possamos enxergar o mundo - sabendo que ele não é uma imagem no aparelho caro de televisão, nem uma notícia impressa no jornal diário. O mundo é bem melhor se visto com os próprios olhos e ouvido com os próprios tímpanos. Afinal, neste exato momento tem uma pessoa tentando ser feliz -  exatamente como você - seguindo sua própria cultura, baseando-se em seus próprios valores, de acordo com seus próprios ideais. E ninguém é o único a desejar isso.
Que no próximo ano as coisas mudem. Mas que mudem pelo simples fato de haver uma ação; pois é impossível transformar qualquer coisa sem dar um primeiro passo.
Que haja muitos primeiros passos então, embora eu e você saibamos lá no fundo que as mudanças não dependem de uma virada de ano. Afinal é apenas uma data no calendário, para marcar o tempo... Ou vai dizer que você se sente diferente quando o relógio bate meia-noite?

sábado, 29 de dezembro de 2012

Encruzilhada



Você deve escolher, precisa escolher. 
Não dá pra seguir dois caminhos ao mesmo tempo
Nem olhar para duas direções na mesma hora
Não dá pra gritar e silenciar na mesma agonia
Nem dormir acordado

Cada caminho leva a uma direção
Cada direção leva a um resultado
Cada resultado molda uma vida diferente
Um momento diferente
Um pensamento diferente
Um diferente sentimento

Se deixar de lado, deixar pra depois, deixar pra lá,
Esses caminhos, direções, pensamentos e sentimentos serão apenas inconstâncias de alguém que não sabe quem é, para onde vai ou onde quer chegar
E tudo que restará será o vazio de uma vida que nunca foi aquilo que nasceu para ser - pois não houve conversações entre a mente, o corpo e o coração.
E tudo o que se sentirá será a tristeza vinda da frustração de não ter decidido nada para nenhum fim, em momento algum...

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Paixões, constatações e outros relatos

O primeiro foi na adolescência. Mentira, foi na pré-adolescência. Está bem, eu ainda era 'meio' criança. Eu devia ter uns 10 ou 11 anos, e ele, a mesma idade que eu. Eu até me lembro de ficar imaginando como seria se ficássemos juntos, mas logo passava. Não era assim tão espetacular nem formigava o estômago (tanto que nem me recordo direito). Depois veio o nerd que usava óculos (nessa época, ser nerd não era ser cool), era fera em matemática e tinha um jeito charmoso de levantar as armações que escorregavam pelo nariz de forma insistente. Este durou bastante. Lembro do sorriso misterioso e da voz grossa de quase-homem. Eu ia pra escola feliz e me sentia entediada quando ele faltava.
Até que, em meu último ano naquele colégio, antes de mudar de bairro, tomei coragem e escrevi-lhe uma carta. Com todos os detalhes de todos os meus pensamentos secretos sobre ele. Todas as expectativas radiantes e todas as opiniões as quais eu tinha certeza - seriam consideradas; tudo o que jamais tive coragem de falar-lhe pessoalmente.

Filme: Love and Sex, 2002

A resposta que obtive minou todos os anos de paixonite que cultivei; além de não sentir absolutamente nada por mim, havia coisa pior: ele não sabia escrever. Chocada e desolada (mais pela inabilidade gráfica e textual do que pela rejeição), tranquei-me no banheiro, reli a carta mais umas dez vezes (incrédula), e rasguei-a em pedacinhos. Dei a descarga, deitei na cama e fiquei olhando para o teto por uns 15 minutos enquanto pensava no quê diabos tinha feito eu criar qualquer sentimento por ele. Ah se eu tivesse lido algum texto dele no início de tudo... Tsc tsc. Que decepção.
O próximo foi no ensino médio. Os cabelos e o rosto lembravam meu cantor favorito, da minha banda de rock favorita. Ele era um idiota - eu sabia que era. E também não sabia escrever. Mas a este, eu não conseguia resistir. Curioso é que jamais troquei duas ou três palavras com este ser. Nem mesmo um breve 'oi' ou um descontraído 'eaí'. Alguns outros apareceram pelo caminho - é claro, mas quem eu idealizava era ele. Acabou junto com o colégio. Ele era um idiota mesmo, jamais me compreenderia.
E então veio o hiato amoroso - aquela época em que você não se apaixona por ninguém mas 'não importa muito' (apesar da vontade inquietante e febril de encontrar o cara perfeito e se apaixonar perdidamente). 
Veio o primeiro namorado, o adeus ao primeiro namorado, outra paixonite por outro idiota (mais ainda do que aquele idiota do ensino médio), averiguações pessoais, descobertas pessoais, tentativas frustadas de  gostar de um ou outro, passeios internos, viagens internas. Até que me vi pensando em... Ninguém. E não foi como aquele hiato amoroso depois do idiota nº 1, foi mais ou menos um desapego mesmo. Mudei o foco, mudei a cabeça, mudei. Evoluí. Selecionei pessoas, músicas, filmes, roupas e lugares. Tomei uma posição diante de todos os campos da minha vida. A profissão a seguir, os lugares a frequentar, as pessoas com quem me relacionar.
E foi justamente nessa fase que me apareceu quem eu menos esperava: aquele cara que eu desejava ardentemente que preenchesse as minhas lacunas - aquelas que, por mais que tentasse, eu não alcançava.
Concluí então que não adianta você focar em uma pessoa que sim, é bonita; sim, tem uma voz incrível e, oh boy, tem cabelos perfeitos - mas que jamais vai se encaixar no seu mundo. Nada desses atributos adianta se o indivíduo não te faz rir, não entende por que você não gosta de comida japonesa e não vê razão pra você ler tantos livros. 
Hoje eu sei que pra encontrar alguém, basta encontrar a si mesmo. Porque se não for assim, my friend, das duas uma: ou você continua perdido em você mesmo e encontra uma pessoa mais perdida que você - o que, em hipótese alguma, pode acabar bem (pra você ou pro outro), ou você vive os seus dias entrando e saindo de relacionamentos confusos, insatisfatórios e cheios daquelas interferências chatas que minaria até Romeu e Julieta. Se o casal mais famoso do mundo não tivesse tido um fim trágico, seria bem possível que, passeando  alegremente por Verona, os pombinhos cruzassem com Rosalina e então Romeu, inocentemente cumprimentasse a moça. Julieta, indignada, questionaria Romeu qual o motivo dele ter sorrido quando disse 'olá' e aí pronto. A imaginação fértil de Julieta já organizaria uma série de episódios onde Romeu encontra-se secretamente com Rosalina, pois aquele sorriso foi um código secreto pra 'nos vemos mais tarde, na mesma hora, no mesmo lugar'. O coitado do Romeu seria bombardeado de interrogações sobre sua agenda, seguidas de lágrimas e acusações sem fundamento algum. 


Romeu e Julieta - Ford Madox Brown, 1870. Pintura a óleo.

Acho que a palavra certa então é 'descontração'. Relaxamento. Desembaraço. Desembaraçar a própria cabeça e a própria alma antes de pensar em entrelaçar todas as suas essências com todas as essências de outro. Por que aí, se não estiver tudo esticadinho, arrumadinho, ordenadinho, vira um imbróglio só. Talvez seja por isso que relacionar-se com outra pessoa é tão complicado. 
Quem é frio e contido o bastante para ser indiferente aos próprios tumultos misturados aos seus, afinal?


terça-feira, 23 de outubro de 2012

As cores cinzas dos pântanos



Acordou um dia e pensou: hoje eu vou definir meus objetivos e traçar um caminho certeiro. Chega de experimentar carapuças que não servem. Alguns diriam que é preciso coragem pra levantar e sair da caverna. Outros diriam que um destino glorioso é uma questão de sorte. Ver o mundo lá fora como ele é pode ser bem confortável, mas sempre existe o medo de encontrar monstros e fantasmas capazes de nos fazer querer passar uma boa temporada dentro de nós mesmos ou ferir profundamente a alma e o coração, impulsionando dores inimagináveis, gerando cicatrizes eternas. Surge então a derradeira ideia de optar pelo caminho mais bonito, ensolarado, com aquelas flores coloridas e passarinhos cantarolantes. Fica então ainda mais difícil voltar atrás e pegar aquele outro  caminho que uma voz chamada 'intuição' indicou falando bem alto ao pé do seu ouvido. Surge a dúvida: mas se essa estrada é tão bonita, pra quê quererei eu mudar de rumo? Aqui está ótimo. Não há com o que se preocupar. Ninguém quer navegar no pântano mesmo (especialmente à noite). As cores são frias, as sombras são muitas e ainda ouve-se aquele barulho estranho - o qual nunca se sabe de onde vem. É... Apagar os problemas é mais fácil do que resolvê-los. É como preferir dias de sol: 'não se pode ir à praia com chuva'. E 'tempo cinza é muito triste e sem graça'.
Não concordo com essa história de ver apenas sorrisos e desejar que as dificuldades simplesmente sumam. Sempre gostei de admirar a chuva umedecendo a rua e chorar quando dá vontade. 



Fazer uma escolha pode ser bem pesaroso e até fatal em muitos aspectos. Porém,  enxergar todas as faces da decisão pode resolver muitos daqueles impasses futuros que você jamais pensou que teria, e, pior - impasses que tiveram sua oportunidade de serem evitados. Ou seja: parar um minuto e repensar no que é mais justo com o que você é. E  a questão inquietante está exatamente aí: quem é essa pessoa na frente do espelho discutindo a definição de uma alma? A resposta está bem lá no fundo - tão enterrado que só reparando bem se consegue enxergar.Ter objetivos pode ser bem difícil quando as perspectivas são contra (como as pedras daquele caminho que, ainda por cima, passa pelo  pântano). Por outro lado, parece dar mais vontade ainda de seguir essa trilha - vai ver é só driblar os pedregulhos, galhos e buracos. E arranjar um barco firme. E um pouco de coragem. Mas não, não se trata de sorte, não.
Trata-se é de aprender que em muitos casos, existe muito mais por trás de aparências e clichês; existem objetivos maiores, causas maiores, planos maiores. E todos esses gigantes chamados 'passos' mudarão seus nomes para 'conquistas' e serão chamados de 'triunfos' e então trarão a certeza de que aquela imagem no espelho tornou-se exatamente o que se imaginava - virá uma sensação de que aquilo que se sente é o que se é. O que se é condiz com o que se sente. E pensar que todos os desfrutes que surgirão a partir daí serão apenas consequências! Só então é que se entenderá a razão daquela escolha aparentemente insignificante que se fez no início de tudo; e que é a mesma que se continua fazendo o tempo todo...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Borboleta


Fechou os olhos, imaginou que era livre, e foi devaneando dentro de si que criou asas coloridas e tornou-se borboleta.
Voou faceira pelos céus mais escondidos do seu mundo característico e descobriu cores onde outrora jurava ser cinza. 
Cores que viraram formas e viraram paisagens e botão de flor onde até poderia pousar mais tarde.
Deixou livre também os ouvidos (antes tampados), os olhos (antes vendados) e ouviu o que antes não ecoava, enxergou o que antes, aos seus olhos, não estava ali, e passou a ver as pessoas detalhadamente... De repente, o mundo lhe parecia uma folha em branco, onde ela podia libertar também suas mãos e brincar com os lápis de cor que haviam alegrado o seu espaço - os mesmos que havia perdido ao crescer.
E então, passeando pelas próprias lembranças, idéias e finalmente, tecendo planos promissores, percebeu que a boca sorria e os olhos estavam abertos.  
Correu a olhar-se no espelho e sentiu a surpresa arrepiando os pêlos do corpo: as asas não estavam mais ali. Porém, estranhamente, a sensação de liberdade ainda permanecia. 
Concluiu então que não era mais preciso imaginar - tornara-se livre, enfim.

domingo, 26 de agosto de 2012

Palavras


As gramáticas classificam as palavras em substantivo, adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, pronome, numeral, artigo e preposição.
Os poetas classificam as palavras pela alma porque gostam de brincar com elas e pra brincar com elas é preciso ter intimidade primeiro.
É a alma da palavra que define, explica, ofende ou elogia, se coloca entre o significante e o significado pra dizer o que quer dar sentimento às coisas, fazer sentido.
Nada é mais fúnebre que a palavra fúnebre.
Nada é mais amarelo do que o amarelo-palavra.
Nada é mais concreto do que as letras c.o.n.c.r.e.t.o, dispostas nessa ordem e ditas dessa forma, assim, concreto, e já se disse tudo, pois as palavras agem, sentem e falam por elas próprias.
A palavra nuvem, chove.
A palavra triste, chora.
A palavra sono, dorme.
A palavra tempo, passa.
A palavra fogo, queima.
A palavra faca, corta.
A palavra carro, corre.
A palavra palavra, diz o que quer. E nunca desdiz depois.
As palavras têm corpo e alma, mas são diferentes das pessoas em vários pontos. As palavras dizem o que querem, está dito, e ponto.
As palavras são sinceras, as segundas intenções são sempre das pessoas.
A palavra juro não mente.
A palavra mando não rouba.
A palavra cor não destoa.
A palavra sou não vira casaca.
A palavra liberdade não se prende.
A palavra amor não se acaba.
A palavra idéia não muda. Palavras nunca mudam de idéia.
Palavras sempre sabem o que querem.
Quero não será desisto.
Sim nunca jamais será não.
Árvore não será madeira.
Lagarta não será borboleta.
Felicidade não será traição.
Tesão nunca será amizade.
Sexta-feira não vira Sábado nem depois da meia-noite.
Noite nunca vai ser manhã.
Um não serão dois em tempo algum.
Dois não serão solidão.
Dor não será constantemente.
Semente nunca será flor.
As palavras também tem raízes, mas não se parecem com plantas, a não ser algumas delas: verde, caule, folha, gota.
As células das palavras são as letras. Algumas são mais importantes que outras.
As consoantes são um tanto insolentes. Roubam as vogais pra construírem sílabas e obrigam a língua a dançar dentro da boca. A boca abre ou fecha quando a vogal manda.
As palavras fechadas nem sempre são mais tímidas. A palavra sem-vergonha está aí de prova.
Prova é uma palavra difícil.
Porta é uma palavra que fecha.
Janela é uma palavra que abre.
Entreaberto é uma palavra que vaza.
Vigésimo é uma palavra bem alta.
Carinho é uma palavra que falta.
Miséria é uma palavra que sobra.
A palavra óculos é séria.
Cambalhota é uma palavra engraçada.
A palavra lágrima é triste.
A palavra catástrofe é trágica.
A palavra súbito é rápida.
Demoradamente é uma palavra lenta.
Espelho é uma palavra prata.
Ótimo é uma palavra ótima.
Queijo é uma palavra rato.
Rato é uma palavra rua.
Existem palavras frias como mármore.
Existem palavras quentes como sangue.
Existem palavras mangue, caranguejo.
Existem palavras lusas, Alentejo.
Existem palavras itálicas, ciao.
Existem palavras grandes, anticonstitucional.
Existem palavras pequenas: microscópio, minúsculo, molécula, partícula, quinhão, grão, covardia.
Existem palavras dia: feijoada, praia, boné, guarda-sol.
Existem palavras bonitas: madrugada.
Existem palavras complicadas: enigma, trigonometria, adolescente, casal.
Existem palavras mágicas: shazam, abracadabra,pirlimpimpim, sim e não.
Existem palavras que dispensam imagens: nunca, vazio, nada, escuridão.
Existem palavras sozinhas: eu, um, apenas, sertão.
Existem palavras plurais: mais, muito, coletivo, milhão.
Existem palavras que são palavrão.
Existem palavras pesadas: chumbo, elefante, tonelada.
Existem palavras doces: goiabada, marshmallow, quindim, bombom.
Existem palavras que andam: automóvel.
Existem palavras imóveis: montanha.
Existem palavras cariocas: Corcovado.
Existem palavras completas: elas todas.
Toda a palavra tem a cara do seu significado. A palavra pela palavra, tirando o seu significado fica estranha. Palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra não diz nada, é só letra e som.

Adriana Falcão


Eu e Adriana logo após sua mesa na 4ª Tarrafa Literária, no último sábado.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O que é Leitura?

Proposta de dissertação sobre o Livro "O que é Leitura" (Martins, Maria H. / Brasiliense).




         A idéia que temos de leitura remete diretamente a textos (livros, revistas, etc.). Porém, ‘ler’ significa muito mais do que isso: é interpretar não apenas o texto, mas o mundo à volta dele (e à nossa volta).
         De nada adianta lermos um texto com o objetivo de entender a ideia que ele quer passar, se não tivermos conhecimento de mundo para tanto. E o que seria esse tal  de ‘conhecimento de mundo’?


         Todas as informações que guardamos referentes a tudo o que vemos e ouvimos por aí – na TV, nos filmes, nos livros, nas músicas e até nas conversas com as pessoas e suas histórias; tudo isso resume nosso conhecimento de mundo. Quanto mais informações adquirimos do mundo, mais apurado fica o nosso senso de interpretação. Esta é uma das razões pelas quais estar ‘antenado’ com as notícias é considerado tão importante.

E será que ler nos limita apenas às palavras?
Assim como diz o livro, ler é mais do que decodificar palavras. É também saber decodificar imagens, sons, cores, e todas as formas de expressões existentes. Fazer uma leitura de tudo o que nos é apresentado pode levar-nos ao desenvolvimento de um senso crítico aguçado diante das escolhas e opções possíveis. Isso é importante pela seguinte razão: se aceitássemos tudo o que a sociedade tem a nos oferecer, nos tornaríamos apenas mais um modelo de mediocridade diante da grandiosidade do cérebro humano; somos capazes de pensar, e isso já é um grande privilégio. Então, porque deveríamos desperdiçar esta grandiosa capacidade?

*texto curto, escrito rapidamente logo antes da aula - acompanhado de uma desagradável dor de cabeça...
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