Eu e meu cabelo temos uma história de amor e ódio daquelas cheias de dramas, onde todos os dias acontece uma emoção diferente e devastadora.
A minha revolta começa quando me chegam os vestígios de que no início da minha vida tudo era diferente: até por volta dos 4 anos as madeixas eram tão lisinhas que chegavam a escorrer pela testa! Mas obviamente eu sequer notava a importância que aqueles cabelos práticos teriam na minha vida mais tarde.
Aos 5 aninhos, ele foi se rebelando; dia após dia ficava mais enrolado e difícil de lidar. Me lembro perfeitamente dos suspiros de cansaço de minha pobre mãe ao desembaraçar os tantos fios fininhos e teimosos que eu herdei dela. A essa altura da minha vida eu já sabia que meu cabelo iniciava, naquela obstinada rebeldia, uma batalha sem fim com meu próprio ego.
Na escola eu era a menina das trancinhas. Trançava os cabelos de todas as formas que ele permitia trançar, variando a camuflagem de mechas indesejáveis. Não ousava nem por decreto soltar a fera que existia naquela juba, e sonhava com o dia em que jogaria livremente os cabelos de um lado pro outro.
Mal percebia que tudo o que ele precisava era de cuidado, carinho e atenção.
Já adolescente, eu me entreguei á liberdade. Confiei nos cremes que prometiam conter o volume dos fios, e assim foi por um tempo.
Quando começou a moda de alisar os cachinhos (por que o liso era o top dos tops e ter cabelo cacheado era logicamente um crime imperdoável), eu, claro, na minha ingenuidade desesperada de realizar o sonho de voltar a ter cabelos lisinhos, sem pestanejar, aderi à moda. Por um tempo, o mundo capilar ficou todo cor de rosa: eu não me preocupava mais com aqueles malditos fiosinhos arrepiados que teimavam em ficar de pé, bem acima da testa.
Mas, passado um tempo (mais precisamente 2 meses, quando a raiz acenava insistente no couro cabeludo, como que protestando e reivindicando o seu lugar), eu percebi o quanto meu cabelo cacheadíssimo demonstrava a minha personalidade, o quanto ele tinha a ver comigo, exatamente do jeito que ele era. A juba que eu julgava ser assustadora, era na verdade o charme que emoldurava meu rosto fino e comprido, dando ao meu corpo longilíneo um contraste harmonioso e sutil.
Todos aqueles cachinhos... Que saudade quando as pessoas perguntavam quanto tempo eu levava para enrolar os cabelos, ao que eu sorridente, respondia "cara, eles são assim mesmo!"
É curioso como o cabelo é importante na vida de uma mulher. E como a maioria de nós estamos insatisfeitas com alguma coisa no nosso corpo, buscando modificar o que nos incomoda a todo custo, nem que pra isso seja necessário enfrentar 8 horas no cabeleireiro, nos obrigando a passar por complicadas etapas de estica e puxa, resultando numa dor de cabeça ardentemente terrível; deixar de comer aquela torta de morango com um delicioso recheio de chocolate pra entrar naquele jeans ma-ra-vi-lho-sooo; submeter o corpo a uma cirurgia perigosamente incrível ou passar horas e horas numa academia puxando ferro, e ainda sairmos de lá, exaustas, mas com um sorriso de orelha a orelha...
Se eu pudesse voltar no tempo (ah! a velha frase dos arrependidos!), eu não teria assassinado os cachinhos. Porém, hoje eu vejo que não importa tanto assim você tentar ficar com uma aparência deslumbrante, pois a beleza um dia envelhece junto com você. Já o conhecimento estará ali, firme e forte, permitindo uma visão totalmente clara e crítica dos problemas que sempre estarão nas nossas vidas.
Claro que não saio de casa sem um batom, tenho vários tipos de fluidos restauradores para cabelos e assino uma revista de moda que eu a d o r o, mas se você estiver feliz e, digamos assim, conformada com o corpo que tem, você só precisa se preocupar com a sua cabeça, e toda essa satisfação adquirida ao ignorar uma futilidade absurda e em viver livre de amarras superficiais vai transparecer, te dando um ar muito mais confiante e entusiasmado.
Planejo, um dia, quando estiver naquela fase de mudança, tosar a juba e deixar os cachinhos livres para se enrolarem alegres na minha cabecinha cheia de atitudes impulsivas.
Por agora, tudo o que eu desejo é um cabelo comprido...
=D
"Havia a esperançosa ameaça do pecado, eu me ocupava com medo em esperar; sem falar que estava permanentemente ocupada em querer e não querer ser o que eu era, não me decidia por qual de mim, toda eu é que não podia; ter nascido era cheio de erros a corrigir."Clarice Lispector em A Legião Estrangeira.*