Um dia se deu conta de que era tarde demais pra certas coisas. O tempo passara depressa e quando acordou, viu que muita coisa havia mudado, muitos momentos sido perdidos e milhões de lembranças desperdiçadas. Lamentou por um momento, chegou a ficar triste, até. Sem chorar pelo leite derramado, respirou fundo e seguiu seu caminho - aquele que tinha traçado antes de adormecer. Sem se lembrar muito bem da direção, fez um esforço, tentou resgatar o que a fez chegar até ali. Balanceou os fatos, mediu os sentimentos e deixou pra lá - era inútil contabilizar o que já tinha vivido. Tinha vivido e pronto, o negócio era dali pra frente. De onde estava, podia ver o horizonte sem fim, iluminado pelo sol da manhã - começava um dia lindo, daqueles dias em que tudo brilha, pássaros cantam e crianças brincam. Crianças brincam? Clichê demais, talvez. Mas era o que tinha naquele momento. Hesitou por um instante. De repente a gente acorda, faz trilhões de planos a serem executados e no minuto seguinte, tudo foi deixado pra trás, por causa do pensamento que sucedeu. Assim, sem mais nem menos. Passou.
Parou pra respirar aquele ar puro e sentir o calor do sol na pele do rosto (sem óculos de sol, mesmo), ao mesmo tempo em que sentia aquela brisa que parece cantarolar. "Estou viva", pensou. E agora, o que fazer? Foi catando do chão os prazeres espalhados, colocou tudo na velha mochila vermelha, pendurou nos ombros e caminhou a passos firmes, com suas botas de lona. O sol iluminava ainda mais, prometendo um dia realmente bonito. Nos ouvidos, um rock'zinho alegre. Daqueles, com refrão gostoso de cantar, sabe? Não sabia assoviar, então cantava baixinho, de um jeito que só ela mesma imaginava ouvir. Quem passava por ela podia ter a impressão de que falava sozinha (como achava engraçado pensar nisso!), e talvez estivesse mesmo... Ás vezes é preciso repetir pra si próprio certas coisas, certos mandamentos. Não os 10 de Deus. Mas os milhões que bagunçam na mente feito abelhas presas numa pequena caixa de vidro, aflitas, zunindo, querendo fugir. Aqueles complexos que nunca abandonam nossa agonia.
Ou quem sabe, nem é preciso fazer nada e a gente faz mesmo assim, acreditando que é assim que tem que ser. Complexos... Parecem muros. Altos, fortes, difíceis de contornar. Mas há quem contorne todos eles. O tempo todo. O medo (ou a preguiça) de dar a volta e achar o resto do caminho é o que impera nos olhos dos infelizes. A cegueira não existe - apenas uma mão tapando a visão. Desperdiçar um sentido é meio idiota. É burrice, até. Por isso que hoje em dia, no meio do caminho, ela às vezes pára - mas não pra repensar decisões já tomadas. Ela descansa os pés, respira fundo e fecha os olhos pra certificar-se de que está inteiramente entregue às suas próprias vontades inquietas e emoções intensas (sejam elas boas ou ruins). Logo depois segue em frente, sempre em frente...