quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Paixões, constatações e outros relatos

O primeiro foi na adolescência. Mentira, foi na pré-adolescência. Está bem, eu ainda era 'meio' criança. Eu devia ter uns 10 ou 11 anos, e ele, a mesma idade que eu. Eu até me lembro de ficar imaginando como seria se ficássemos juntos, mas logo passava. Não era assim tão espetacular nem formigava o estômago (tanto que nem me recordo direito). Depois veio o nerd que usava óculos (nessa época, ser nerd não era ser cool), era fera em matemática e tinha um jeito charmoso de levantar as armações que escorregavam pelo nariz de forma insistente. Este durou bastante. Lembro do sorriso misterioso e da voz grossa de quase-homem. Eu ia pra escola feliz e me sentia entediada quando ele faltava.
Até que, em meu último ano naquele colégio, antes de mudar de bairro, tomei coragem e escrevi-lhe uma carta. Com todos os detalhes de todos os meus pensamentos secretos sobre ele. Todas as expectativas radiantes e todas as opiniões as quais eu tinha certeza - seriam consideradas; tudo o que jamais tive coragem de falar-lhe pessoalmente.

Filme: Love and Sex, 2002

A resposta que obtive minou todos os anos de paixonite que cultivei; além de não sentir absolutamente nada por mim, havia coisa pior: ele não sabia escrever. Chocada e desolada (mais pela inabilidade gráfica e textual do que pela rejeição), tranquei-me no banheiro, reli a carta mais umas dez vezes (incrédula), e rasguei-a em pedacinhos. Dei a descarga, deitei na cama e fiquei olhando para o teto por uns 15 minutos enquanto pensava no quê diabos tinha feito eu criar qualquer sentimento por ele. Ah se eu tivesse lido algum texto dele no início de tudo... Tsc tsc. Que decepção.
O próximo foi no ensino médio. Os cabelos e o rosto lembravam meu cantor favorito, da minha banda de rock favorita. Ele era um idiota - eu sabia que era. E também não sabia escrever. Mas a este, eu não conseguia resistir. Curioso é que jamais troquei duas ou três palavras com este ser. Nem mesmo um breve 'oi' ou um descontraído 'eaí'. Alguns outros apareceram pelo caminho - é claro, mas quem eu idealizava era ele. Acabou junto com o colégio. Ele era um idiota mesmo, jamais me compreenderia.
E então veio o hiato amoroso - aquela época em que você não se apaixona por ninguém mas 'não importa muito' (apesar da vontade inquietante e febril de encontrar o cara perfeito e se apaixonar perdidamente). 
Veio o primeiro namorado, o adeus ao primeiro namorado, outra paixonite por outro idiota (mais ainda do que aquele idiota do ensino médio), averiguações pessoais, descobertas pessoais, tentativas frustadas de  gostar de um ou outro, passeios internos, viagens internas. Até que me vi pensando em... Ninguém. E não foi como aquele hiato amoroso depois do idiota nº 1, foi mais ou menos um desapego mesmo. Mudei o foco, mudei a cabeça, mudei. Evoluí. Selecionei pessoas, músicas, filmes, roupas e lugares. Tomei uma posição diante de todos os campos da minha vida. A profissão a seguir, os lugares a frequentar, as pessoas com quem me relacionar.
E foi justamente nessa fase que me apareceu quem eu menos esperava: aquele cara que eu desejava ardentemente que preenchesse as minhas lacunas - aquelas que, por mais que tentasse, eu não alcançava.
Concluí então que não adianta você focar em uma pessoa que sim, é bonita; sim, tem uma voz incrível e, oh boy, tem cabelos perfeitos - mas que jamais vai se encaixar no seu mundo. Nada desses atributos adianta se o indivíduo não te faz rir, não entende por que você não gosta de comida japonesa e não vê razão pra você ler tantos livros. 
Hoje eu sei que pra encontrar alguém, basta encontrar a si mesmo. Porque se não for assim, my friend, das duas uma: ou você continua perdido em você mesmo e encontra uma pessoa mais perdida que você - o que, em hipótese alguma, pode acabar bem (pra você ou pro outro), ou você vive os seus dias entrando e saindo de relacionamentos confusos, insatisfatórios e cheios daquelas interferências chatas que minaria até Romeu e Julieta. Se o casal mais famoso do mundo não tivesse tido um fim trágico, seria bem possível que, passeando  alegremente por Verona, os pombinhos cruzassem com Rosalina e então Romeu, inocentemente cumprimentasse a moça. Julieta, indignada, questionaria Romeu qual o motivo dele ter sorrido quando disse 'olá' e aí pronto. A imaginação fértil de Julieta já organizaria uma série de episódios onde Romeu encontra-se secretamente com Rosalina, pois aquele sorriso foi um código secreto pra 'nos vemos mais tarde, na mesma hora, no mesmo lugar'. O coitado do Romeu seria bombardeado de interrogações sobre sua agenda, seguidas de lágrimas e acusações sem fundamento algum. 


Romeu e Julieta - Ford Madox Brown, 1870. Pintura a óleo.

Acho que a palavra certa então é 'descontração'. Relaxamento. Desembaraço. Desembaraçar a própria cabeça e a própria alma antes de pensar em entrelaçar todas as suas essências com todas as essências de outro. Por que aí, se não estiver tudo esticadinho, arrumadinho, ordenadinho, vira um imbróglio só. Talvez seja por isso que relacionar-se com outra pessoa é tão complicado. 
Quem é frio e contido o bastante para ser indiferente aos próprios tumultos misturados aos seus, afinal?


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